segunda-feira, 27 de julho de 2015

MADALENA DAS MERCÊS: ‘’ A menina que virou cobra”



Madalena Sucuri
Uma velha cafetina
No seu tempo de menina
No Vale do Licuri. 
Sonhava em viver ali
E arranjar um bom partido
Mas achando divertido
A primeira experiência
Rejeitou com veemência 
Aquele sonho florido.


Somente pra esclarecer
Era uma caboclinha
Da boca pequeninha
Coisa linda de se ver.
No terreiro a varrer
Usava um vestido justo
Com um remendo sem custo 
Na parte esquerda da bunda
Feito da cueca imunda 
Do irmão mais velho, Augusto.

Seu pai era um açougueiro
Honesto e trabalhador
Tinha por nome Agenor
Não dispunha de dinheiro.
Era simples, companheiro
 E só fala apenas o bastante
Recusou-se a ter amante
Por amar Dona Pequena
Mulher mãe de Madalena
Sua filha mais brilhante.

Moravam em um casebre
Comprado com muita luta
Um pé de flor e um de fruta
O deixava mais alegre.
Criavam uma pequena lebre
Um cachorro e um papagaio
Que brincavam num balaio
E alegravam as crianças
Era na Rua Das Tranças
No Bairro Augusto Caio.

Trinta braças a seguir
Tinha um pequeno bar
Com uma mesa de bilhar
E garotas a sorrir.
Gente a entrar e a sair
Dançar, fumar e beber
Era uma casa de prazer
Pequena e muito precária
A única intermediária 
Mal dava pra se manter.

O filho dos donos dela
Um jovem muito arisco
Conhecido por Rabisco
Viciado em uma donzela.
Fazia até uma novela
Amando tão falsamente
Discursando opostamente
Ao negócio dos seus pais
Seduzindo aos matagais
Toda e qualquer inocente.

Foi lhe tocar na veneta  
Madalena das Mercês
Pra ser o alvo do mês
Dele passar a perneta. 
E riscar da caderneta
Das garotas virginais
Empregá-la com seus pais
No velho bar O Lambreta 
Depois de toda essa treta 
Não querer olhá-la mais.

O plano estava pronto
Só faltava praticar
Breve o referido bar
Teria carne no ponto.
De valor e sem desconto
Pra quem quiser investir
Mas não pôde progredir
Pois a vida fez confronto
O Rabisco ficou tonto
Sem saber pra onde ir.

Madalena não sabia
Daquele plano audaz
No qual aquele rapaz
Pouco a pouco lhe envolvia
E às vezes se derretia
Com aquele palavreado
E o excessivo cuidado
Arrastando a sua asa.
Fosse da escola pra casa
Ou de casa pra o mercado.

Agenor preocupado 
Com aquela situação
Fez logo uma reunião
E deixou bem explicado.
Rabisco foi avisado
Como a coisa funcionava
E com isso ele notava
Que moleza não teria
E a partir daquele dia
Tentou fugir, mas não dava.

Madalena lhe prendia
Como um cãozinho na coleira
De segunda à sexta-feira
Onde ela fosse ele ia
Ninguém acreditaria
Que o jovem aliciador
Nessa história gamou
De verdade na donzela
Falou em casar com ela
Mas ela não concordou.

Falou que era muito nova
Que nem tinha onde morar
Que preferia esperar
Ter do amor uma prova
“Feito o defunto e a cova”
Rabisco pensou consigo!
Disse: - Deite-se comigo?
Que eu te amarei sem engano
Nessa hora o seu plano
Já estava reerguido.

Numa manhã, pra resumo 
Madalena em bom humor
Pôs no cabelo uma flor
Se vestiu de verde sumo.
Descambou por outro rumo
Do costumado roteiro
Rondou quarteirão inteiro
Sumiu perto da lagoa
Parou numa sombra boa
E Rabisco foi ligeiro.

Com medo de uma sova 
Se acaso alguém lhe visse
Madalena nada disse
Só desejou ter a prova.
Para Rabisco era nova
A sensação de fazer
Sem ser só pelo prazer
Como com outras se dava
Tirou as roupas que usava
E consumou o seu querer.

Até aqui essa história
Parece muito normal
Com qualquer jovem casal
Que busca no amor a glória.
Quando a vontade é notória 
Cada qual tem sua medida
E essa é a mais preferida
Para a maioria de nós
Só que a reação após
Não é coisa escolhida.

Tem gente que não suporta
A lembrança do momento
Bate o arrependimento
E a consciência lhe corta.
Tem aquela que nem morta
Fala da primeira vez
Não desejaria talvez
Passar por aquelas dores
Nem mesmo em cama de flores
Cheirosa e na maciez. 

Mas Madalena pirou
Ficou tão feliz da vida
A dor foi logo esquecida
Que a Rabisco falou:
- Amor se você gostou
Quero que você me tenha
Amanhã bem cedo venha 
Pra essa sombra escondida
Vou treinar pra fazer vida
No bar de Sr. Mascarenha.

Rabisco quase enfartou
Quando vestia o calção
Tropeçou e foi ao chão 
Quando ela assim falou
Tudo que ele planejou
Foi ao chão naquela hora
A culpa feito uma espora
O cutucou lhe ferindo
Ele chorando e ela rindo
Deram adeus e foram embora.

O resto daquele dia 
Pra Rabisco não prestou
Sequer se alimentou
Tudo lhe dava agonia.
À noite não foi tão fria
Mas de medo até tremeu
Num edredom se envolveu
 Mas dormir não conseguiu
Sem sono deitou e viu 
O outro dia que nasceu.

Chegando a hora marcada
Rabisco pensou não ir
Mas si viu não conseguir
Para ela negar nada
Pois sua alma apaixonada
Estava presa à Madalena
E o corpo nutria a cena
Dos velhos vícios carnais
Mas vê-la no bar dos pais
Era mais que uma pena.

Então pensando e pensando
Enquanto já caminhava
Para onde ela o aguardava
E quase desesperando.
Rabisco ia buscando
Uma forma adequada
De retirar da amada
Aquela ideia cruel
De trabalhar no bordel
Que seu pai mesmo tocava.

Madalena lá estava
Nuazinha como nasceu
Rabisco logo esqueceu
Das ideias que pensava.
Quando se lembrou estava
Igual Sucuri faminta
Enrolado em sua cinta
A deixando sufocada
Sem reação para nada
Como uma coisa indistinta.

A mulher ficava louca 
Rabisco mais louco ainda
Achava-lhe bem mais linda
Coisa que não era pouca.
Mas aquela voz já rouca
Fazia o seu mundo cair
Pois Madalena a sorrir
Lhe intimava um amanhã
Com aquela ideia satã
Treinar se prostituir.

E lá pela décima vez
Daquele conto e não conto
Quando saía do ponto
Onde de tudo ela fez.
Toda a sua embriaguez 
Se transformou de repente
Ao deparar-se de frente
Com o seu pai, Agenor.
E este foi sabedor
Dos fatos no ambiente.

E já em tom alterado
Como um pai que é zelador
Foi lhe pedindo um favor
De deixar bem explicado.
Se ali era o mercado
Onde ela disse que ia?
Ela nada respondia
E Agenor enraivado
Visivelmente zangado
Xingou e fez ironia.

Considerando o local
Perto de um lago aterrado
E o que se tinha passado 
No seu modo racional.
A imagem de um animal
Foi a mais apropriada
E foi bem mais acertada
Por considerar também
Que desta arte só tem 
Uma cobra bem criada.

Ela toda descorada
E Agenor disse: - eu não nego
Ainda - hoje eu te pego...
Sucuri domesticada!
Nisso uma molecada
Que assistia escondida
O treino de fazer vida
E aquele grande flagrante
Gravou e fez num instante
Madalena mais perdida.

A cidade era pequena
E o povo linguarudo
Não tinha surdo nem mudo
O que dava drama a cena.
A pobre da Madalena
Não podia ver guri
Pois era por Sucuri 
Que agora lhe chamavam
As pessoas que moravam
No Vale do Licuri.

Foram muitos dias duros
Na vida de Madalena
Em casa uma triste pena
Na rua eram mais escuros
Rabisco fez os seus furos
Fugiu sem deixar sinais
Mas não foi longe de mais
Ligou, por pura saudade
Estava em outra cidade
Chamada Horizontais.

Assim que ela escutou
A voz doce de Rabisco
A lembrança deu um belisco
No tempo bom que passou.
Foi lá no mato e voltou
Pra pura realidade
Pensou deixar a cidade
Mas com outra intenção
Viver a grande paixão
Com muita dignidade.

E tendo essa esperança 
A cada dia crescendo
Madalena foi vivendo
Driblando a desconfiança.
Preparou sua mudança
E pôs o pé na estrada
Sem querer ficar com nada
Daquele chão condenado
Do seu recente passado
Da sua vida penada.

Chegando a Horizontais
Rabisco lhe recebeu
Com alegria e lhe deu 
As honras convencionais.
Também duzentos reais
Que recebeu do patrão
Dono de um velho furgão
Com que ele trabalhava
Mas ela só lhe olhava
Com ar de reprovação.

Rabisco meio assustado
Percebeu em seu semblante
Disfarçou por um instante
Pois estava preocupado.
E embora não ter pensado
Jurou e até prometeu
- Mas amor confia n’eu 
Agente abre um mercado
Já tá tudo planejado
Breve você tem o seu.

Um silêncio perdurou
Nos dois naquele momento
Avançando o calçamento 
Madalena em fim quebrou.
Sobre o tal plano indagou 
Ao que Rabisco tremeu
Demorou, mas respondeu
Se tratar dos meus temores
Querendo evitar as dores
Que no passado ela o deu.

Ela disse que mudara
De modo que não queria
Fazer o que quis um dia
Da forma como sonhara.
E olhando em sua cara
Falou decididamente:
- Saiba que daqui pra frente
Nós dois seremos recrutas
Quero quinze prostitutas
Trabalhando para a gente!

Ele tentou questionar
Mas argumento não via
Em face do que vivia 
O melhor foi aceitar.
E já começou a pensar
Com muita facilidade
Em quem naquela cidade
Dava bobeira na pista
Fez uma extensa lista
Mas cortou mais da metade.

Madalena não queria 
Que passasse dessa cota
Rabisco tomava nota 
E apenas obedecia.
Com certo ar de alegria
Pela nova decisão
Que além de ganhar o pão
Sem trabalho e sem apelo
Estava a salvo o zelo
Por sua grande paixão.

Apesar de ser recente
Naquele cenário novo
Rabisco era do povo
E conhecia muita gente.
Então muito facilmente
Dirigindo o furgão
Entre uma lotação 
Pra fazenda ou para praia
Ele aliciou Soraia
Filha única do patrão.

A colega de escola
Da garota referida
Ao saber ficou sentida
E não quis ficar de fora.
- A amiga é pra toda hora,
Sempre dizia e assim fez
Com mais três de uma vez
Compôs a lista que tinha
Soraia, Brenda e Ritinha
Ela própria e Trepidez.

Rabisco numa semana
Já tinha sete na tela
Isso porque Florisbela
E a mimada Caetama,
Frequentaram sua cama
No sábado que decorria
Enquanto Madalena ia
Atrás de alguns acessórios
Atrativos ilusórios
Para agradar freguesia.

O domingo mal chegou
E Rabisco já tratava
Com duas que ele mirava 
Luzia e Margô Colou
E com isso ele alcançou
A sua nona funcionária
A décima foi Agenária
Seguida por Ivonete
E depois por Elizabete
Todas de uma faixa etária.

Madalena já comprava
Bebidas à prestação
Cigarros e o sonzão
Das festas que planejava.
Mocotó de boi e fava
Pra servir de tira gostos
Uns acentos com encostos
E algumas almofadas
Vermelhas, roxas, rajadas
Pra agradar vários gostos.

Já Rabisco a essa altura
Iscava a número treze
Era Werena Meneze
Uma doce criatura
Famosa pela candura
Que na aparência tinha
Era uma ex-coroinha
Que cultivava valores
Mas praticava horrores
Estando fora da linha.

Depois dela, parecia 
Que o Rabisco atraiu
Certo azar que até viu
A cama ficando fria.
Madalena só queria
Abrir seu ponto e lucrar
Ele a ponto de endoidar
Naquela situação
Em que sem ter uma razão 
Não saia do lugar.

Mas quando chegou enfim
Os quinze dias de lutas
Tinham quinze prostitutas
Flertando em um botequim.
Rabisco deixou assim
Ao seduzir “inocentes”
As que foram resistentes
Zica e Solange, “Arrudas”
Duas primas bem bustudas
Que enlouqueciam clientes.

Madalena sem querer
Ter alguma divergência
Quis dar legal procedência 
Ao que queria fazer.
Mas na hora de bater
O carimbo no alvará
Não pode fazer o “pá!”
Pois faltava definir
O nome pra diferir
Dos outros que tinham lá.

Horizontais bem que tinha
Muito pequenos botecos
Mas não chegavam aos trecos 
Do top da sua linha.
Porque Madalena vinha
Com bastante inovação
Então a nomeação 
Acertada pra o seu bar
Acatou em revelar
A sua superação.

Acontece que sua fama
Por meio de um enxerido
Passageiro do marido
Rondava a mais de uma semana.
Madalena não reclama
Pois aquilo lhe pertence
Com isso ela se convence
Do nome pra pôr ali
E nomeou Sucuri
Casa de Streep Dance.

Até senador passou 
A ser também seu freguês
Ela assinou no três
Carimbou e registrou.
Com o nome que a humilhou
No passado que não sai
E é assim que ela atrai
Uma clientela imensa
Sendo assunto na imprensa
Escrita e em telejornais.

Rabisco após três domingos
Já flanelava um Jaguar 
E ficava a passear 
Farto, luxando em respingos.
Nem mesmo donos de bingos 
O venciam em dinheiro
Virou logo fazendeiro
Enquanto que as garotas
Afinavam-se marotas
Sem escolher um parceiro.

De Madalena o Sucuri
Virou sobrenome forte
Marca de roupa de porte
Passou logo a existir.
Vivia sempre a subir
Os escalões da nobreza
Madalena com muita frieza
Tocava sem aperreio
Um bar sempre muito cheio
Sem espaço pra tristeza.

Quarenta anos depois
Madalena já viúva
Pois Rabisco numa curva
Fez do seu carro em dois.
Vendeu as terras e os bois
E investiu numa mansão
Dela fez uma pensão
Para abrigar prostitutas
Que já cansadas das lutas 
Encerravam a profissão.

Mas aquele investimento
Para ela era pouco
Empenhou-se num mais louco
Com garra e encantamento.
Pois o desenvolvimento
Entrou nos seus ideais
Para não sair jamais
Aliou-se ao prefeito
Para almejar um pleito
Na câmara de Horizontais.

Foi vitória e de lavagem
Sobre os outros candidatos
Ela exerceu dois mandatos
Com competência e coragem
Construiu uma barragem
Oito praças, cinco escolas
Fez campos e deu as bolas
Quadras poliesportivas
Obras grandes e expressivas
Que lhe rederam gabolas.

Oito anos governando
De maneira transparente
Tudo paralelamente
Ao que começou tocando.
Horizontais foi ficando
Mais jovem, “toda no grau”
Mas cobra morre de pau
Se vê o homem e não some
Mesmo sendo só no nome
A Madalena babau. 

Os políticos aliados 
Tornaram-se seus rivais
Pois suas obras sociais
Os deixavam bloqueados.
Pois viviam acostumados
A barrarem toda emenda
Que fosse dar voz e renda
Aos mais desassistidos 
Tendo lucros estendidos
De uma mesada estupenda. 

Tudo começou no dia
Que Madalena sacou
O que num ano lucrou
Uma enorme quantia.
Porque ela pretendia
Fazer outra boa ação
Uma grande construção
Para empregar sem medo
Uma fabrica de brinquedo
Mas não teve aprovação.

Ela não se intimidou
Lutou quanto pôde ali
E a Fábrica Sucuri
Também revolucionou.
O trabalhador ficou
Muito bem remunerado
Deixou de ser humilhado
E a prefeitura caia
Pois o Estado não queria
Gastar sem ver resultado.

O prefeito sem moral
Vendo seu cargo afundar
Correu logo a convocar
Até quem fosse rival.
Pra dar um ponto final
No que ela empreendia
E a partir daquele dia
Ao final da reunião
Chegaram à conclusão
Que alguém a mataria.

Uma pobre cozinheira
Que serviu na reunião
Quis dar uma opinião
Apontando outra maneira
Acabou sendo a primeira
A pagar com a própria vida
A injustiça concedida
Contra a velha cafetina
Foi vitima de uma chacina
Pelos mesmos promovida.

A Sucuri rastejava
Para o ultimo bote da vida
Depois que reconhecida
O povo a venerava.
Ela se realizava
Por tão longe ter chegado
Achava ter alcançado
A presa mais resistente
Um olhar bem diferente
Do que teve no passado.

Um dia ela atravessava
Uma curta passarela
Fruto do trabalho dela
Quando ainda legislava.
E quando em seu bar chegava
Percebeu com estranheza
Boa parte da nobreza
Estava lá neste dia
Mas ela não entendia
A tamanha gentileza.

Com o prefeito, o tesoureiro
Tratou de esclarecer
Pedindo pra ela entender
Que ele não foi traiçoeiro.
Pois o povo fofoqueiro
Propagaram uma asneira
Dizendo à companheira
Coisas que ninguém falou
Hora essa! Já pensou,
Abandonar uma guerreira?

E nessa hora alterou
O tom da voz e subiu
No balcão e proferiu
O que na hora pensou.
Todo mundo proclamou:
- Madalena é a suprema!
Ele declamou o poema
Comprado numa lengalenga 
Do poeta Zezé Quenga
Lá no rancho Borborema.

O vereador Tortinho
Era quem portava a lança
Com o veneno da vingança
Que tramaram direitinho.
Ficou curtindo um carinho
Duma garota maluca
Que lhe coçava a nuca
Em um canto reservado
Do nada ficou zangado
Como uma vara de sinuca.

Isso por que outro cara
Que acabara de chegar
Despertou dela um olhar
Coisa que não era rara.
Tortinho com aquela vara
Foi agredir o rapaz
E destruir toda paz
Que fingiam ter levado
Sem outra vez ter pensado
Deu-lhe um golpe eficaz.

O rapaz deu “um mortal”
E foi logo revidando
Nisso também foi entrando
Um guarda municipal
Era o velho Juvenal
Homem sério e valente
No fundo outro inocente
“Pau mandado” do poder
E acabou por se envolver
Na briga bem de repente.

Juvenal ergueu o braço
Gritou alto ordenando
Madalena foi entrando
E já levando um “paulaço”
Desceu na cara o “ melaço”
Da paulada que levou
Quando o socorro chegou
Era tarde por demais
Pra sempre de Horizontais
Madalena se afastou.

Morreu como um passarinho
Que inocente voava
E pra seus filhos buscava
Pelo menos um grãozinho.
O vereador Tortinho
Por dentro comemorava
Mas por fora se explicava
A fim de lavar a mão
Ganhando absolvição
Lavando também a cara.

A garota que flertava
Com Tortinho se matou
Juvenal se aposentou 
Enquanto o tempo passava.
Somente o rapaz pagava
Injustamente o crime
Então o velho regime
Novamente se firmava
E o Estado destacava
O prefeito mais sublime.

O seu dinheiro em fartura
Não foi motivo o bastante
Pra esquecer seu semelhante
Nem esconder sua doçura.
E se viveu à procura
De um prazer desmedido
Foi fiel a seu marido
De quem muito aprendeu
Apesar dos erros, deu
Para a vida o seu sentido.

Alguém pichou em um murro
Uma singela homenagem
Enfatizando à coragem 
E o caráter seguro.
De quem num mundo impuro
Reservou no coração
A inata vocação
Para as causas sociais
E fez de Horizontais
Sua terra de missão

Madalena das Mercês 
Como era registrada
 A Sucuri consagrada
Foi lutadora e cortês 
Uma que valeu por três
Das que se julgam do bem
Partiu e nunca mais vem
Do além se foi pra lá
Mas pelas bandas de cá
Feito ela já não tem.

Romildo Alves

sexta-feira, 17 de julho de 2015

PASSADO
O que fostes, não esqueço
Talvez porque ainda és
A proteção dos meus pés
Em cada chão que conheço.
No mais distante endereço
Sinto você muito perto
Nunca virastes deserto
Mas pomar frutificante
O qual para um visitante
Sempre estará aberto.
Uns desejam esquecê-lo
Outros preferem lembrá-lo
Uns pretendem sufocá-lo
Mas a quem procura tê-lo.
Tem quem vive a removê-lo
Movendo-se ou parado
Refutado ou aclamado
Tu és vivo e imortal
O futuro ideal
Terá teus traços, Passado.
Romildo Alves

segunda-feira, 13 de julho de 2015

RETALHOS DE FEIRA


A estrada onde passaram
A boiada e o vaqueiro
Hoje é como um formigueiro
Que os pés do tempo pisaram
Suas margens, alargaram
Ampliaram as dimensões
Por ela, vão caminhões
Na maior agitação
Carregando a produção
Das diversas regiões.

Aqui morou Lampião
Maria Quitéria Bonita
"Terra Ditosa e Bendita!" 
Georgina disse em refrão.
A Princesa do sertão
Rui Barbosa elegeu
Um Lucas também viveu
E ainda vive manso
Lá na Pedra do descanso
Que foi travesseiro seu.










A princesa tem sua joia
Toda joia tem seu brilho
O trem Tomba, sai do trilho
Em um bairro se apoia.
Domingos Barbosa boia
Nos Olhos D'água de Ana
Na arquitetura urbana
Há quase um "Juracimento"
A erguer um monumento
Do que é Feira de Santana.
Romildo Alves
Poema/Canção "O Prazer de Viver"- Romildo Alves

INSEGURANÇA PÚBLICA E OUTRAS CONSEQUÊNCIAS FÚNEBRES


Cemitério hoje em dia
É negócio disputado
Feito vaga a deputado
No estado da Bahia.
O mercado só amplia
Pois com tanta insegurança
Comprar cova é poupança
Quase todo mundo aplica
Quem tem terreno enrica
Às custas dessa matança.









As leis do nosso país
Não fazem jus ao que são
Prendem o bom cidadão
E o ladrão tá por aí.
Solto, comendo siri,
Sem punição pra seus atos
São espécies de contratos
De desordem social
Um normal no anormal
E o justo pagando os patos.

Os grupos de extermínio
Agindo tão livremente
Polícia deficiente
Não exerce seu domínio. 
Pai não bate em menino
Mas menino mata os pais
Tem coisa errada de mais
Onde é que vamos parar
Já não dá para aceitar
O que vemos nos jornais.

Não podemos conviver
Com tanta vida ceifada
Como se valesse nada
E nada poder fazer.
Pois nada poder trazer
Quem foi e deixou de ser
Partindo do nosso lado
De um presente a um passado
Da forma mais prematura.
Sem tratamento nem cura
Pra fazer parte de um dado.

Da cidade ou do campo
Se morrer tem que enterrar
Em outros casos cremar
Mas para aumentar o pranto,
É difícil achar um canto
Para acomodar um ente
Jogam fora um corpo quente
Pois espaço já não há
E aquele ficar lá
Vão lhe fazer igualmente.

Tantos planos funerais
Oferecem cobertura
Do velório à sepultura
Nas formas convencionais:
A mortalha e os florais
Velas, chás e cafezinhos,
Cadeiras toldos, banquinhos,
O transporte e o caixão,
Dispensando força à mão
“Fazendo tudo sozinhos”.

Ainda no mesmo plano
Está inclusa uma cova
Que ninguém sabe se é nova
Ou usada a mais de ano.
O fato é que sem um dano
Esgotam as unidades,
Gerando necessidades
De adotar por critério
Fazer outro cemitério
Com maior capacidade.

Mas eles vão mais além
Do que os convencionais
E em nada são iguais 
Aos modelos que já têm.
Tanto que olhando bem
Pode-se admitir 
Querer morar e curtir
Entre os jardins e as artes
Aquele mundão sem partes
Que até parece sorrir.

Mas morar ali só vai
Quem deparar-se com a morte
Aquela acertada sorte
Que sobre todos recai.
Quem não gozará um “ai”
Da beleza e do prazer
É quase inútil querer
Uma morada assim
Haja vontade e “din-dim”
Para se satisfazer.

Pra quem pensa não haver
Clientes o suficiente 
Se enganam redondamente
Pois sabem tão bem fazer.
Montam stands pra vender
E a preços promocionais
Em cem parcelas iguais 
Vão vendendo antecipados
Pra quando enfim fabricados
Não haver reservas mais.

Apesar das promoções
É grande a desigualdade
Embora a tragicidade
Não escolha dimensões.
São comuns ocasiões
Que um pobre falecido
Com um corpo apodrecido
Vai dividir o espaço
Por outro lado, o ricaço
Tem lugar vago e varrido.

Uma pergunta aqui cabe
Cadê as leis e o direito
Que a um trata de um jeito
E a outro nem a metade?
Cadê a tal igualdade
Grandemente propagada?
Que igualdade, que nada!
Até mesmo nessa hora
O pobre cai na espora
E a sua dor é dobrada.

A morte quando lhe vem
Pelas mãos de um assassino
O esquecimento é o destino
Que aquele infeliz tem.
Mas se ao rico também
A violência se impõe
A mídia se interpõe 
Repercute nos jornais
E o assassino jamais
Ficará sem punções.

A polícia nesse instante
Toma pra si o direito
De levar tudo no peito
Com sua força volante.
Não há nada que acalante
Seu poder destruidor
Bate em trabalhador
Invade sua morada
Deixa toda revirada
E nem fala quem mandou.

Vai embora revoltada
Com uma raiva tamanha
Enquanto que um sem vergonha
Nas ruas à mão armada
Deixa um cidadão sem nada.
Até mesmo o documento
Pra lhe dar mais sofrimento
Além da impunidade
Sujeito a outra maldade
Pelas mãos desse elemento.

Ao pôr as mãos finalmente
Sobre o homem procurado
Vão lhe guardar com cuidado
Para soltar brevemente.
Isso porque lá na frente
Em uma esquina ralé 
A vingança está de pé
Furiosa a lhe esperar
Pronta para perfurar
Seu corpo como quiser.

Ao sofrer essa ação
Ninguém procura saber
Quem foi que fez, vão dizer
Que é clara a explicação
Se tratava de um ladrão, 
Assassino, coisa e tal
Tudo volta ao seu “normal”
Entre os muros e os portões
Guardados por cães grandões
Como o gado no curral.

Ás vezes a gente tem
A pavorosa impressão 
Que atamos pé e mão
E nos cegamos também,
Pois nada somos além
De uma voz silenciosa
Desesperada e medrosa
No ventre da escuridão
Gesticulando em vão
Uma ajuda generosa.

Falta a expressão exata
Pra falar de certos fatos
Queremos logo com atos
Devolver na mesma lata.
Achamos a vida ingrata
Porque tudo é fatal
Pra não dizer que o mal
Em sua totalidade
Sem freio e com liberdade
Tá vencendo no final.

A covarde atitude
Que vitima uma jovem
Vitima os que promovem
Pois matam a juventude.
As drogas é o quê ilude 
É a razão para o crime
Não há nada que elimine
As dores que ali nascem
Por mais que os anos passem
A sua lembrança oprime.

Noticia quando se espalha
Os detalhes só aumentam
E os que sabem lamentam
O corte dessa navalha.
Uma só bala atrapalha
A vida de mãe e filha
A primeira da família
Por algum tempo sonhada
Quatro meses de gerada
E um quarto na mobília.

O esposo e pai que chora
Perde da vida a razão
Ao ver dentro de um caixão
A sua mais bela aurora.
Apressada, indo embora
Decretando a escuridão
O frio e a solidão
Na sua alma ferida
Vive uma vida sem vida
Num mundo de ilusão.

A saudade que lhe habita
Sempre lhe vai lhe arremessar
A um sorriso, um olhar
Uma expressão bonita.
Mas se for pra ser descrita 
Só o silêncio sucede
Porque a dor não concede
Uma palavra sequer
Só por milagre, se houver
A sua vida procede.

Até quando viveremos
Pisando em casca de ovo
Sem paz, amor, sem renovo. 
Coisa que não escolhemos?
Grandes males padecemos
Nesse cenário atual
Mata-se por um real
E por um milhão se cala
“Um mala por outra mala”
Em campanha eleitoral.

Cadeias superlotadas
E o descaso do poder
Culminam em acontecer
Tragédias anunciadas
A criança é queimada
Dentro de um coletivo
O crime organizado ativo
Comanda desenfreado
De um presídio reforçado
“Desde o céu até o piso”.

O sistema prisional
Muito falho em procedência
Não devolve a decência
À quem agiu ilegal.
Forja nele um marginal
Da pior categoria
Nem ele mesmo queria
Mas não vê outra saída
Faz do crime sua vida
E com a vida paga um dia.

Sobre leites derramados
Ninguém deve mais chorar
O Estado que ditar
Uma série de cuidados.
Os pais ficam ameaçados
Pelos direitos humanos
Os filhos sob esses panos
Não levam nem “uns tapinhas”
Mas depois de “trombadinhas”
Caem no “tapa” e no “cano”.

Nas saidinhas bancárias
Tudo é mais perigoso
Um bandido horroroso
É o mestre da fraudaria.
De correção monetária
Sabe tudo e muito mais
Quanto possui em reais
Na conta do vitimado
Que fica negativado
Não se conserta jamais.

Os caixas são explodidos
Ninguém prende os infratores 
Que vão aos interiores
Pelos sertões, esquecidos.
Deixam os bancos “varridos”
E a população com medo
A viatura é o brinquedo
Deixam toda perfurada
Dão moedas às calçadas
E pra câmera “dão o dedo”.

Ver a máfia do caixão
Chaga a ser repugnante
Aliciam o vigilante
Pra lhes dar a permissão.
Cavam a cova, metem a mão, 
Roubam ouro do defunto
Depois “matam” o assunto
Roubam o caixão também
Não sabemos quem é quem
Morto e vivo quando juntos.

O povo preocupado 
Leva projeto ao prefeito
Que prometendo um jeito
Encaminha a um deputado.
Por lá fica engavetado
Nosso grito por justiça
No desprezo e na preguiça 
De quem tem o “rabo preso”
Pois quer se sair ileso
Das garras de uma milícia.

Pelo fim desses mercados
Cuja vida é a moeda
Valores vivendo em queda
E por tão pouco, trocados.
Deixo aqui depositados
Vinténs de perseverança
Poia a minha esperança
Nesse novo investimento
É lucrar bem e a contento,
Amor, paz e segurança.


Romildo Alves